segunda-feira, 15 de abril de 2013

A vida de Hulk


Na primeira vez que jogou em Portugal, em 2001, não tinha dinheiro para comer. Em miúdo levantava-se de madrugada, às 2h, e ia com o pai vender carne na feira. Aos 10 anos fintava meia equipa, mas ninguém o queria por ser demasiado pequeno. 

Já foi rejeitado por ser magro e franzino. E mais do que uma vez. Em 2001, com 15 anos, saiu do Brasil e tentou entrar no FC Porto B, mas dispensaram-no por não ter a estatura ideal. Foi para os juvenis do Vilanovense, de Vila Nova de Gaia, um clube da distrital do Porto. "Quando chegou trazia umas chuteiras rotas nos pés, tinha uma cara de morto de fome e dizia a toda a gente que um dia ainda ia jogar no FC Porto", lembra à SÁBADO Rogério Santos, presidente do Vilanovense. 

Hulk já tinha sido rejeitado em criança: jogava na escola de futebol de Luizinho Bola Cheia, em Paraíba, no Brasil, e ninguém se interessava por ele por ser pequeno. "Na última competição que fez connosco, na Copa A Gazetinha, os empresários diziam que ele jogava muito, mas que não renderia no futebol por causa do tamanho", contou Luizinho ao jornal Lance, em Novembro de 2009. 

Esteve quase a deixar o futebol, mas Luizinho não desistiu de Hulk: "Ninguém conseguia tirar-lhe a bola. Às vezes passava por três ou quatro jogadores." Além disso, os médicos diziam que o facto de ser pequeno seria passageiro. E um dirigente do Vitória da Baía acabou por se interessar por ele. 


No Vilanovense, Hulk era introvertido e calado e chamavam-lhe Ruca e Pará (diminutivo de Paraíba). Dormia num T3 com mais seis jogadores e recebia 150 euros por mês, um subsídio para comprar produtos de higiene. Metade desse dinheiro ia para a família pobre em Campina Grande, no Brasil, onde o pai trabalhava como talhante na feira. 
Hulk nem sempre tinha dinheiro para as refeições. "Uma vez, apareceu aqui a chorar porque não tinha o que comer e estava cheio de fome. O Edu Castigo, que vivia com ele no apartamento (hoje joga nos angolanos do 1.º de Agosto), tinha comido tudo o que havia no frigorífico lá de casa", conta à SÁBADO Artur, motorista do clube e dono do restaurante Cidade Nova. 


"Ele não era esquisito. Só me lembro de ter torcido o nariz quando viu costeletas do cachaço. Não sabia o que eram porque não tinham osso", diz Artur, mais conhecido por Motoca. Era também responsável pela ceia dos atletas e todas a noites lhes levava leite, fruta e bolachas. No fim da época o clube estava tão endividado que os jogadores já não tinham água nem luz em casa. "Ele era um bom rapaz, estava cá sem ninguém e, claro, custava-me ver o miúdo para aí abandonado. Por isso, dava-lhe tudo o que dava aos meus filhos, deixava-os no centro comercial para irem ver as miúdas e dava-lhes dinheiro para irem ao cinema e jogar nas máquinas." 

Hoje, às vezes Hulk pára o seu Mercedes branco à porta do restaurante e deixa alguns bilhetes para Artur ir ver o FC Porto. "Lembro-me que uma vez, quando ele ainda era miúdo, veio ter comigo e dizer: 'Quero ir ver o Porto. Leva-me contigo'. Arranjei bilhetes e lá fomos os dois. Ele ficou maluco quando viu 30 mil pessoas nas bancadas, o Vilanovense só tinha capacidade para 300. E veio o caminho todo a falar no FC Porto e que se um dia chegasse a jogar lá é que era bom."

Quando chegou a Portugal, em 2001, Hulk pediu para ser matriculado num colégio para poder continuar a estudar. Depois das aulas aparecia nos treinos do Vilanovense de havaianas, calções e bola nos pés. "Às vezes pedia dinheiro para comer", diz à SÁBADO Joel Rebelo, que jogou com o avançado nos juvenis e que não o reconheceu quando ele foi para o FC Porto, em 2008. No Inverno, Hulk pedia a José Macedo, o roupeiro do Vilanovense, camisolas, casacos e vários pares de meias. A Edu Castigo pedia roupa nova para passear. O médio angolano acabou por lhe oferecer um blusão antes de se despedir do brasileiro no aeroporto. Hulk pediu ainda a Artur uma garrafa de vinho do Porto, para levar para o pai, que nunca tinha provado a bebida. 

"Foi uma situação muito difícil, ofereci- -me para ficar com ele, dava-lhe cama e roupa lavada. Tinha um filho da idade dele e, por isso, não me custava nada. Mas sem tutor e sem família, a situação dele aqui complicava-se", lembra Rogério Santos, que garante que Hulk foi decisivo para que o clube não descesse de divisão naquele ano. "Ele já tinha um grande potencial e tinha um pontapé fortíssimo. O treinador ficava maluco porque ele não passava a bola a ninguém, fazia tudo sozinho", diz, esperando que o craque ainda faça uma visita ao Vilanovense. 

Hoje com 24 anos, Hulk é o terror de todos os guarda-redes e defesas das equipas da Liga portuguesa: é o melhor marcador, com 11 golos em 10 jogos (só não marcou à Académica e ao Nacional). Em miúdo também era o terror do bairro onde vivia, em Campinas Grande. "Ele gostava de jogar futebol na rua e, quando os miúdos do bairro armavam confusão com outros de fora, iam gritar para a porta de casa dele. Ele saía, fazia-lhes frente e mal o viam os outros desatavam a fugir", disse à SÁBADO Teodoro Fonseca, o empresário do futebolista.

Hulk, que nasceu Givanildo Vieira de Souza, é o quarto filho e único rapaz de Djovan e Maria do Socorro. Mimado pelas seis irmãs e pela mãe, que ainda hoje passa horas a rezar por ele, com 4 anos já era fã de Hulk, o monstro verde dos desenhos animados. "Ele já sabia em que canal passava e ficava parado, a ver. Depois, virava-se para mim a gritar que era o Hulk. Ele mamou até aos 3 anos e mais tarde pedia sempre mais um bife, que era para ficar forte como o Hulk. A avó dizia que ele ainda ia ficar com essa alcunha. E a verdade é que ficou mesmo", contou a mãe, Maria do Socorro, ao siteGloboesporte.com. 

Devido à infância difícil, Hulk é muito contido com o dinheiro. "Só quando assinou pelo FC Porto é que comprou o seu primeiro carro, um jipe Ford, e é sobretudo a mulher dele que o usa", diz o empresário. O futebolista tem também um jipe Mercedes branco. "Ele é muito apegado à família. Nunca conheci um jogador que telefonasse todos os dias para os pais. Quando em 2004 ele recebeu o primeiro ordenado do Vitória da Baía, mil reais [425 euros], mandou tudo para a família e pediu-me uma tábua de madeira para o pai poder cortar carne", diz Teodoro Fonseca. O pai, Djovan, é que lhe ensinou os primeiros passes com a bola, aos fins da tarde, depois de voltarem da feira onde era talhante. 


Com o dinheiro do contrato com o Vitória da Baía (30 mil euros), ofereceu aos pais e às irmãs uma casa - entretanto mudaram-se para outra maior onde vivem 20 pessoas -, e comprou para a família um Peugeot 207. 
Em 2005, com 19 anos, foi para o Japão, onde esteve em três clubes diferentes: no Kawasaki Frontale, no Consadole Sapporo e no Tokyo Verdy - neste último foi determinante para a subida à I Divisão (em 42 jogos marcou 37 golos). Em Tóquio, onde teve aulas de japonês, porque sempre gostou de estudar, conheceu a mulher, Iran, de 32 anos.


Nunca guardou as camisolas ou as chuteiras dos clubes por onde passou. Pedia sempre a alguém que ia ao Brasil para as entregar aos miúdos mais novos do Vitória da Baía. "Ele é muito brincalhão e adora pregar partidas", diz Teodoro Fonseca. "Uma vez, pegou num saco do lixo que estava no aeroporto e disse para um amigo que jogava com ele no Japão: 'Juninho, leva-me esta encomenda para São Paulo, vai lá estar uma pessoa à tua espera.' Ele estava habituado a levar coisas do Hulk e não estranhou. Quando lá chegou e percebeu que tinha sido enganado e levava o lixo ficou doido." 

Com uma cláusula de rescisão de 100 milhões de euros e um salário de 1 milhão por ano, Hulk, que em 2001, no Vilanovense, passava fome, hoje come feijão com arroz e picanha sempre que lhe apetece. E já não vive num prédio sem luz nem água, mas num condomínio de luxo, na zona da Foz, em que tem na casa de banho uma vitrina de perfumaria com frascos de gel e loções para o corpo.

in sabado.pt (24/11/2010)



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