O frio, o idioma, as diferenças culturais: todos poderiam
ser motivos para que Givanildo Vieira de Souza, o Hulk, tivesse problemas para
se adaptar a sua nova casa, a Rússia, onde defende o Zenit São Petersburgo
desde o início de setembro.
Mas, no caso desse paraibano de Campina Grande, a ideia de ter
dificuldade para se adaptar a algo simplesmente não existe. Nunca existiu.
Desde muito cedo, o atacante da Seleção Brasileira aprendeu que, para ele, as
oportunidades não viriam pelo caminho fácil: ele é que teria que ir atrás
delas. Às vezes, ir muito longe. Foi sobre essa história que ele falou ao
FIFA.com:
Você viveu um caminho diferente: saiu muito cedo do país,
para um lugar diferente como o Japão, e fez sucesso sem ter jogado no futebol
brasileiro. Essa é a sua história: se adaptar sempre?
Eu saí do Brasil muito cedo: com 18 anos. Na época era uma
oportunidade muito boa, embora eu soubesse que precisaria me adaptar. Por um
lado é bom ter passado por isso, mas, por outro, não tanto. Saí muito cedo e só
fui ser conhecido aí no Brasil através do FC Porto e da Seleção. Mas sou feliz
por essa passagem no Japão.
Como foi desembarcar no Japão tão cedo?
Quando eu cheguei, era completamente diferente daquilo que
eu imaginava. Achava que seria difícil me adaptar, mas foi muito fácil. Pensava
que ia ter mais dificuldade, por ser um país completamente diferente do Brasil,
mas encontrei um país que oferecia tudo; uma grande estrutura. E, nos clubes em
que joguei, sempre havia brasileiros para me ajudar.
E, antes disso, ainda houve uma passagem por Portugal ainda
quando juvenil?
Exatamente. Fui para Portugal com 15 anos de idade. Na época
eu estava no Corinthians, em São Paulo, fazendo teste, e meu procurador me
ligou: “vamos lá para Portugal”. Eu arrumei as malas e fui. Passei um ano e
aprendi bastante: morava e treinava com o pessoal do profissional.
Isso foi durante testes no Corinthians, mas você teve uma
passagem mais longa pelas categorias de base do São Paulo, não?
Pois é, eu estava no São Paulo. Passei seis meses lá e,
então, meu procurador me disse que eu ia para o Vitória, porque lá ia poder
assinar contrato como profissional. Fui para o Vitória, assinei o contrato e
fiquei dois anos por lá.
Você parece que não tem medo de mudar; de fazer o que for
possível para ter uma chance...
É lógico. É assim que tem que ser, né? As oportunidades vão
aparecendo e a gente tem que correr atrás, independente de onde seja e do que
enfrentar. Eu sempre fui e sempre agradeci a Deus pelas chances que tive.
Passei por muita dificuldade, mas hoje tenho o resultado.
Em algum momento você achou que sua carreira se limitaria ao
futebol asiático, ou sempre achava que chegaria à Europa?
Passei três anos e meio no Japão e, depois de um primeiro
ano de adaptação, no segundo ano fui segundo artilheiro da segunda divisão,
depois fui o artilheiro... E então meu empresário dizia que tinha o sonho de me
ver jogando na Europa. Foi quando veio a oportunidade de ir para o FC Porto,
onde eu passei quatro anos incríveis da minha vida.
Não ter jogado no Brasil dificulta para ganhar carinho do
torcedor da Seleção?
Ahh... Dificulta um pouco, até porque mesmo hoje, depois de
muitos jogos meus pela Seleção, ainda tem aquela interrogação, né? Nem todo
mundo me conhece, nem todo mundo sabe como eu jogo. Saí muito cedo do Brasil:
joguei só 70 e poucos minutos como profissional. Então, é normal que haja essa
interrogação quando se fale de mim.
Quantos minutos como profissional?
(risos) Pois é, foram 70 e poucos minutos. Minha estreia foi
contra o Fluminense, no Barradão, quando eu entrei no segundo tempo e o outro
foi contra o Internacional, no Beira-Rio. Perdemos por 2 a 1, mas até que eu
entrei bem.
E nessa época, taticamente, você já jogava mais ou menos da
maneira como joga hoje?
Mudou um pouco por causa da maneira como os times
brasileiros costumam atuar, usando mais o 4-4-2, enquanto na Europa em geral se
utiliza mais o 4-3-3. Com isso, então, aqui eu acabo jogando mais aberto.
Mas, mesmo no Brasil, você nunca foi um típico centroavante,
não?
Não, nunca fui centroavante mesmo. Sempre mais um segundo
atacante, que cai pelas beiradas, se movimenta, vem buscar a bola. Mas na
Europa eu passei a jogar ainda mais aberto. Só que também já atuei muito como
atacante mesmo, pelo meio.
E sempre mais pela direita, apesar de ser canhoto?
É, sempre. Foi natural. Sempre gostei de jogar por aquele
lado e, felizmente, sempre tive treinadores que me ajudaram. O Jesualdo Ferreira,
por exemplo, foi um que me ajudou demais quando cheguei à Europa: sempre
conversou muito comigo e fez com que eu ficasse muito à vontade dentro e fora
do campo.
Qual foi a diferença que mais chamou sua atenção ao deixar a
Ásia para ir jogar na Europa?
Na Europa, o que existe muito é o respeito à disposição
tática. Os jogadores respeitam mais suas funções dentro do campo. Então, eu
cheguei e tive um pouco de dificuldade, porque me via tendo que voltar muito
para marcar. Hoje já tenho mais facilidade para isso.
Muita gente se deixa enganar pelo seu porte físico: parece
que você é só um cara forte, e não veloz e habilidoso como de fato é...
Verdade. Como não me conhecem, por causa do porte físico às
vezes têm a impressão errada mesmo: ‘ah, então ele deve ser de um estilo mais
trombador’, quando na verdade eu nunca fui jogador de trombar muito, mas um que
gosta de jogar: de pegar a bola, partir para cima... Só isso de chutar forte é
que vem desde pequeno. (risos)
E como foi a adoção desse apelido?
Foi desde criança, desde os três anos de idade, porque eu
gostava muito do personagem, o Hulk, e falava para o meu pai que eu era forte,
que tinha a força. Aí meu pai falou: “tá bom, então, você é o Hulk”. E até hoje
me chamam assim. Para ajudar, ainda cresci um garoto forte, então caiu bem.
(risos)
Com toda essa desconfiança da torcida, por outro lado, você
precisou de muito pouco para ganhar a confiança do Mano Menezes, não?
Acho que a principal prova disso foi o fato de ele ter me
levado à Olimpíada, e ainda mais como um dos três acima do limite de 23 anos.
Fiquei muito feliz com aquilo. Infelizmente não conseguimos trazer o ouro, mas
foi uma oportunidade que procurei aproveitar ao máximo.
Você se surpreendeu ao saber que estava na lista?
No início do ano, por exemplo, nem poderia imaginar que
teria essa chance. Mas, depois dos amistosos no meio do ano (contra Dinamarca,
Estados Unidos, México e Argentina), já comecei a achar que meu nome poderia
estar na lista.
Como você ficou sabendo da convocação?
Fiquei sabendo pela convocação mesmo. Claro que ele já tinha
dito para que ficasse à espera, para continuar treinando, mas ainda não havia
confirmação. Sabia que era para ficar esperto e que tinha chances, mas só virou
certeza mesmo na hora do anúncio.
Essa série de amistosos acabou se tornando um marco na sua
carreira?
Acho que sim. Foi quando tive mais tempo para jogar: quatro
jogos e em todos eles eu fui titular. Era a oportunidade de que eu precisava
para conseguir mostrar qual era meu futebol e o que poderia oferecer. Nesses
quatro jogos, fiz três gols e acho que joguei bem. Então, acho que ali foi o
ponto forte para a minha carreira com a Seleção.
E essa nova realidade de ser convocado para a Seleção acabou
fazendo com que você reencontrasse um velho conhecido, o David Luiz, não?
(risos) Pois é... A gente não jogou junto no Vitória, porque
ele era uma categoria abaixo da minha: quando ele estava no júnior, eu já
estava no profissional. Mas eu lembro muito bem dele: até no São Paulo a gente se
encontrou. No período em que eu treinei lá ele também estava. Nós nos
encontramos no São Paulo, no Vitória, fomos rivais em Portugal – eu pelo FC
Porto e ele pelo Benfica – e, depois disso tudo, fomos nos encontrar na
Seleção. Foi muito legal.
Você falou muito em sua chegada sobre o projeto do Zenit de
montar uma grande equipe. Que aspectos desse projeto te chamaram a atenção?
Durante todo o mercado de transferências houve várias
especulações envolvendo meu nome, o interesse de vários clubes grandes, mas as
propostas não agradaram nem ao FC Porto nem a mim. E eu havia conversado com o
(Luciano) Spalletti antes mesmo de fechar com o Zenit. Ele me falou muito bem
do clube, falou sobre a grande estrutura que existe e o projeto de montar uma
grande equipe. Eu vim e, de fato, encontrei uma grande estrutura e um projeto
ambicioso. Tenho certeza de que, no futuro, o Zenit vai ser um dos grande times
da Europa.
Para esta temporada, qual é o grande objetivo da equipe?
Claro que ser campeão russo é importante, mas o grande
objetivo acho que é ir bem na Champions: perdemos os dois primeiros jogos, mas
ainda não há nada perdido. Temos condições e qualidade para passar de fase.
Você jogou a UEFA Champions League assim que chegou ao FC
Porto. É uma competição especial para as equipes do continente?
Eu cheguei ao clube e imediatamente já disputei a Champions.
É o torneio mais importante, sempre, porque é quando sabemos que estão reunidas
as melhores equipe e os melhores jogadores. É muito legal de jogar. Ainda mais
nos casos, por exemplo, de equipes de Portugal e Rússia, cujos campeonatos não
são tão transmitidos mundo afora como os de Inglaterra, Itália, etc. Com
certeza não vou estar sumido: vou estar marcando gols e aparecendo sempre. O
Mano sempre diz para todos nós que está sempre de olho, independente do
campeonato e do time.
Você falou sobre como se adaptou facilmente ao Japão. E
agora, qual tem sido a dificuldade para se adaptar à Rússia?
Sinceramente, nenhuma: a cidade é uma das mais bonitas que
já conheci na vida. Ainda não consegui conhecer tudo, mas só pelo caminho até o
centro de treinamento, o pouco que vi, é incrível. E o clube tem uma estrutura
boa. Então, de verdade, não tenho problemas.
O fato de ter saído tão cedo de casa, e depois do Brasil, te
ajuda a se adaptar tão tranquilamente a mudanças tão drásticas?
Ah, sem dúvida. Acaba que eu me adapto rápido a qualquer
coisa, porque saí de casa muito cedo. Para quem saiu para o Japão aos 18 anos e
se adaptou, qualquer coisa é fichinha. (risos).
in fifa
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